Quando aquele que Morgan revelou
ser Caim entrou na sala, os lacaios do vampiro que lutava pelo controle dos domínios
de Belmonte fecharam um círculo em volta de seu mestre. A aura de ódio que
envolvia o primeiro dos vampiros era quase visível por todos que estavam ali.
– Não sei qual é a sua intenção,
Morgan, mas você foi longe demais! – Aquele que se apresentara como Matheus Weiss
respondeu com fúria na voz. Em seguida, ele volveu o olhar para seu lado
esquerdo, onde Sara jazia em sua cruz, e um traço de piedade resplandeceu em
seus olhos acinzentados, antes de a ira voltar a ser o sentimento mais
evidenciado.
– A garota ainda está viva –
disse Morgan. – Em seu lugar, me preocuparia comigo mesmo! Alguns de seus
filhos descobriram uma forma de ritual por meio do qual a força vital das
criaturas da noite pode ser sugada junto com seu sangue. Quando ele é feito
sobre vampiros mais poderosos, seus poderes também são absorvidos junto com a sua
alma. É por isso que você está aqui. Depois de absorver sua essência, dominarei
não somente esta Região Metropolitana, não apenas este país, mas o mundo
inteiro! Vamos, homens, ataquem!
Após o comando de Morgan, três
dos homens que o acompanhavam se lançaram sobre Caim, tentando travar com ele
uma luta corporal. As unhas do primeiro das criaturas da noite cresceram e se projetaram
como garras, que foram usadas contra aqueles que os atacaram. Os três caíram
com suas gargantas abertas e a jorrar sangue.
– Atirem com as munições
incendiárias! – Gritou Morgan, antes que quatro disparos fossem efetuados. Caim
recuou alguns passos quando foi atingido, devido ao dano que o chumbo derretido
contido nos projéteis causou em seu corpo, quando as cápsulas fragmentaram-se
após o impacto.
Aproveitando o recuo do pai de
todos os vampiros, mais três dos seguidores de Morgan arremeteram contra ele. Caim
esquivou-se do atacante que chegou primeiro e derrubou-o com um pujante soco. O
segundo atacante caiu desacordado após receber um chute na cabeça daquele que
deveria ser seu alvo e o terceiro teve seu rosto dividido ao meio ao ser atingido
pelas garras da mão esquerda de Caim.
Naquele momento, um trovão
destacou-se sobre os gritos dos vampiros que lutavam no exterior da mansão de
Morgan, e uma pesada chuva caiu do céu, para alívio dos membros de ambos os
grupos que se enfrentavam. A água da chuva impediria o uso do fogo na batalha. Isso
era bom para os dois exércitos, que sofreram baixas consideráveis até aquele
momento. No instante em que a chuva começou a cair, a luta já era completamente
travada no interior dos muros da propriedade de Morgan, dado o avanço de
Belmonte e de seus seguidores.
No interior do casarão, os quatro
vampiros que acompanhavam Morgan, e que ainda não foram derrubados por Caim,
recuaram alguns passos quando este começou a avançar na direção daquele que
ordenara o rapto de Sara. Apenas Sandro permaneceu em sua posição.
– Eu imaginava que meus homens
não se constituiriam num grande desafio para você, mas eles serviram para me
dar mais certeza sobre sua identidade – disse Morgan, após o que desembainhou e
brandiu a espada que trazia nas mãos. – Há décadas procuro por você! Minha
intenção era te encontrar adormecido, num dos seus longos períodos de torpor.
Isso facilitaria a concretização de meus planos. Pelo menos, vasculhando numa
catacumba da Europa Central, encontrei a espada que o próprio Deus forjou para
você. Mesmo que você o tenha desagradado ao assassinar seu irmão, o Yahweh te
amava, então ele te deu uma arma para que você pudesse se proteger de seus
inimigos. O mais irônico é que a Espada de Caim veio parar nas mãos daquele que
há de matá-lo!
– Você gosta muito do som da sua
voz, Morgan. Se você não souber usar essa espada tão bem quanto usa a sua
língua, seus olhos não verão a próxima noite! – Caim disse com uma voz
ameaçadora, enquanto avançava mais alguns passos.
Sandro fez menção de se colocar
na frente de Morgan, mas seu senhor o conteve com um movimento de braço.
– Não se preocupe, Sandro!
Prometo que acabarei a tempo de enfrentar Belmonte pessoalmente.
Morgan arremeteu contra Caim,
desferindo um golpe de espada, de cima para baixo. O primeiro vampiro
esquivou-se para o lado direito, evitando o ataque. Em seguida, o Morgan tentou
efetuar uma estocada no abdome de Caim, que recuou por um triz e deu um chute
no peito de seu atacante, antes que este pudesse ensaiar outro golpe. Depois de
receber o chute, Morgan recobrou o equilíbrio e atacou Caim novamente, com um
golpe desferido da esquerda para a direita. Com essa ofensiva, ele atingiu o
braço de Caim, rasgando sua blusa e a superfície de sua pele, fazendo com que
sangue jorrasse dali.
– Será que o pai de todas as
criaturas da noite está enferrujado, depois de tantos períodos de hibernação? –
Ironizou o vampiro mais jovem.
Confiante após seu primeiro
ataque bem sucedido, Morgan tentou outro golpe de cima para baixo, dessa vez
com mais vigor. Ao invés de recuar, Caim avançou e, com um movimento ascendente
de seu antebraço, atingiu o pulso de seu atacante, bloqueando a descida da
espada. Imediatamente após sua defesa, Caim deu um soco no queixo de Morgan,
que se desequilibrou e deixou com que a espada caísse no chão. Ensandecido, o
vampiro megalomaníaco desferiu uma série de socos e chutes no primeiro de sua
espécie. Caim não se preocupou em defender todos os ataques e, ao perceber que
seu adversário estava cansado, partiu para o contra-ataque, chutando e socando
no rosto, no tórax e no abdome de Morgan. Este, após uma sequência de golpes
daquele que pretendia derrotar, caiu sobre o carpete da sala de estar, e não
encontrou forças para levantar.
Ao ver seu senhor derrotado,
Sandro empunhou a Espada de Caim com ambas as mãos e avançou contra o
verdadeiro dono da arma que utilizava. Caim conseguiu conter o golpe, tomou a
espada das mãos de Sandro e cravou-a em seu peito. Com isso, Sandro caiu morto,
ao lado de Morgan. Os quatro vampiros que continuavam na sala saíram pela porta
que Caim arrombou para ali entrar.
Depois da luta, o pai de todos os
vampiros aproximou-se de Sara e carinhosamente tocou em seu rosto. A expressão que
ele esboçou era de tristeza profunda, embora nenhuma lágrima brilhasse em seus
olhos.
– Não era para isso ter
acontecido com você... – Disse Caim, com a voz embargada. – Será que, até o fim dos tempos, isso
acontecerá com aqueles de quem eu me aproximar? – Questionou voltando os olhos
para o céu.
– Você pode evitar a morte da
garota. – Falou Morgan com voz fraca, ainda deitado no chão. – Transforme-a!
Termine de sorver-lhe o líquido da vida e dê a ela uma gota de seu sangue. Isso
fará dela sua filha direta, a mais poderosa das criaturas da noite, depois de
você!
– É uma ilusão acreditar que ser
um vampiro é um dom! – Respondeu Caim. – Essa foi a forma com que meu Pai
Celeste me castigou, depois de eu ter assassinado meu irmão. Além disso, até
hoje me arrependo de não ter resistido à solidão e ter gerado progênie. Não
darei a Sara essa existência miserável. É melhor que ela encontre paz depois
desta vida!
Após proferir as palavras
anteriores, Caim soltou Sara das amarras que a prendiam na cruz em forma de X e
tomou-a nos braços. Àquele tempo, a chuva tinha cessado e as nuvens tornaram-se
menos densas, permitindo que a lua fosse vista pela grande janela da sala de
estar da mansão de Morgan, vermelha como o sangue. Protegendo a garota com seus
braços e seu corpo, Caim saltou na direção da janela, quebrando o vidro. Ao
atingir o exterior da mansão, deu outro salto com o qual passou por cima dos
muros da propriedade e correu velozmente ao alcançar a rua, até desaparecer na
escuridão da noite.
Sem compreender o que estava
acontecendo, Belmonte e seus seguidores que sobreviveram após dizimarem os
homens de Morgan entraram no casarão pela janela que Caim quebrara. Na sala de
estar, o líder dos vampiros da Região Metropolitana viu Morgan com uma espada
pressionada contra seu corpo. Depois de fitar os olhos de Belmonte, Morgan
sorriu e enterrou a espada em seu próprio peito. O corpo daquele que desejava
se tornar o vampiro mais poderoso do mundo desfez-se em cinzas depois que a
Espada de Caim tirou-lhe a vida.
***
Após a sangrenta e chuvosa noite
que se passou, o sol brilhou quente e cheio de vida sobre a cidade de Saint
Michel. Na praia, o mar estava calmo e o vendo tépido. Sobre a areia da praia,
uma multidão estava reunida em torno de um corpo inerte. Uma jovem bonita, com os
cabelos castanhos e encaracolados todos desgrenhados. Sua pele estava cheia de
estranhas perfurações sobre todo o corpo e apresentava uma coloração
doentiamente pálida, talvez devido à perda de grande quantidade de sangue. Suas
roupas estavam rasgadas e suas mãos estavam cruzadas sobre seus seios. Entre
seus dedos, ela segurava um botão de rosa vermelha.
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