domingo, 12 de agosto de 2012

Alguns Argumentos Favoráveis à Implantação das Cotas nas Universidades

O tema da adoção de uma política de cotas pelas Universidades públicas brasileiras voltou à agenda, depois que o Senado Federal aprovou, na última terça-feira, 07 de agosto, um projeto de lei que institui a implantação de tal ação afirmativa em todas as Universidades Federais. Esse projeto, que já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, aguardará a sanção da presidente Dilma Rousseff.


O referido projeto de lei prevê que 50% das vagas das Universidades Federais sejam reservadas a alunos que tenham cursado todo o Ensino Médio na rede pública. Metade desse percentual – ou seja, 25% do total das vagas – serão destinadas a alunos membros de famílias que tenham até um salário mínimo e meio de renda per capta, enquanto a outra metade caberá a alunos negros, pardos e indígenas. O percentual destinado a cada uma dessas minorias étnicas será definido pela representatividade de cada grupo na população da localidade onde situam-se as Universidades, de acordo com os dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE).

Tão logo o projeto foi aprovado, foram tecidas várias críticas à medida que ele propõe. Gostaria aqui de citar alguns desses argumentos, contradizendo-os com o que aprendi em meus estudos sobre Relações Etnicorraciais e de Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça.

1) Aqueles que criticam o sistema de cotas apelam ao Princípio da Igualdade, citando o Artigo V da Constituição Federal de 1988 para afirmar que as políticas públicas de ação afirmativa constituem-se na concessão de privilégios a determinados indivíduos. Há uma vertente no Direito e nas Ciências Sociais que considera que a tão propalada igualdade é formal, e não real. De acordo com essa perspectiva, os sujeitos são desiguais a priori. Tratá-los de maneira igual apenas acentuaria essa desigualdade. Por tanto, seria necessário tratar desigualmente os desiguais, priorizando os indivíduos que possuem um status inferior, para que estes venham realmente a se igualar com aqueles de status superior. Esse foi o princípio que norteou o Supremo Tribunal Federal (STF), quando seus ministros julgaram legal o sistema de cotas adotado na Universidade de Brasília (UnB).

2) Os contrários às políticas de Ação Afirmativa de acesso às Universidades públicas consideram que a sub-representação de egressos de escolas públicas, sejam eles brancos, pardos, negros ou indígenas, entre os alunos do Ensino Superior deve-se à baixa qualidade daquelas escolas. Assim, seria um contrassenso a adoção das cotas. O que os governos teriam que fazer é investir na melhoria da qualidade das escolas públicas. Realmente, sem que haja uma educação básica pública que seja verdadeiramente de qualidade, o Brasil não se livrará de muitos dos seus problemas, dentre eles a baixa escolarização de sua população. Mas isso não é algo que seja feito de um dia para o outro. Se nós esperássemos que as escolas públicas fossem melhoradas para que seus alunos acessassem o Ensino Superior, várias gerações de estudantes seriam prejudicadas, e as Universidades continuarão a ser por bastante tempo uma regalia dos alunos provenientes das classes mais abastadas, que conseguem pagar escolas particulares que os treinam na feitura de provas de vestibular. Em outras palavras, é completamente possível adotar o sistema de cotas nas Universidades e investir na melhoria da qualidade das escolas públicas, concomitantemente. Aliás, isso é necessário, pois o projeto de lei aprovado prevê que a adoção das cotas deverá ocorrer apenas em período de 10 anos.

3) Argumenta-se que, como as notas obtidas pelos cotistas nos vestibulares são menores que as notas dos não cotistas, isso fará com que os primeiros tenham um desempenho inferior aos segundos na sua carreira acadêmica. Isso pode ser verdadeiro se considerarmos algumas áreas, como as exatas, por exemplo, devido ao déficit no ensino da Matemática nas escolas públicas. Porém, isso pode ser contornado com o oferecimento de cursos de reforço aos alunos que entram nas Universidades por meio do sistema de cotas. Mesmo assim existem vários professores universitários que não consideram os vestibulares como sistemas que realmente avaliem as capacidades dos alunos. Além disso, levantamentos realizados pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pela Universidade de Campinas (UNICAMP) e pela UnB comprovam que a diferença entre o desempenho de alunos cotistas e o de não cotistas não é tão grande assim, sendo que o desempenho de alguns alunos cotistas chega a ser superior ao de alunos não cotistas.

4) Muitos são os que afirmam que, como o público alvo das cotas pertencem às classes sociais mais baixas, esses alunos terão dificuldades para concluir seus cursos, devido ao elevado custo dos materiais e à necessidade que muitos deles têm de trabalhar, o que reduziria o tempo disponível para os estudos. Nenhum defensor das cotas afirma que basta colocar os estudantes dentro das Universidades, sem dar-lhes condições de permanência. Não sei se o projeto de lei recém aprovado no Congresso Nacional prescreve tal coisa, mas praticamente todas as instituições de Ensino Superior que já adotam ações afirmativas de acesso oferecem uma série de benefícios aos alunos cotistas, visando a sua permanência, como subsídio para compra de materiais didáticos, descontos e isenções de tíquetes utilizados em restaurantes universitários, auxílio moradia, dentre outros. Algumas Universidades oferecem tais auxílios a alunos que não entraram pelo sistema de cotas, mas que estudaram em escolas públicas e possuem renda familiar baixa. Eu mesmo fui beneficiário de um programa desses na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

5) A própria adoção do termo raça é questionada. Diz-se que não existem raças humanas e que, por isso, não há sentido na racialização das Políticas Públicas. Realmente, a existência de raças humanas, no sentido biológico do termo, é algo que nem mesmo os movimentos negros defendem. Porém, as Ciências Sociais de um modo geral consideram a existência da raça social, que se refere influência das características físicas dos indivíduos na posição que eles ocupam no interior de nossa sociedade. Isso significa que brancos e negros ocupam posições diferenciadas dentro da sociedade brasileira e que essa diferença deve-se, em grande medida, às suas características fenotípicas. Dentro da UFES, por exemplo, é possível perceber o reduzido número de alunos negros, sendo que estes concentram-se mais nos cursos de licenciatura e são mais escassos nos cursos ditos nobres, como Medicina e Direito.

Muitos outros são os argumentos contrários e favoráveis às Políticas Públicas de Ação Afirmativa. Destaquei apenas os que acho mais relevantes para poder participar do debate suscitado pela decisão do Senado. Os digníssimos leitores podem se sentir à vontade de participar da discussão, utilizando-se do espaço dos comentários.

 

Referências


ALVES, Thássia. Diferença de desempenho entre cotistas e não cotistas é de apenas 0,25. UnB Agência, Distrito Federal, 16 jun. 2010. Disponível em: <http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=3480>. Acesso em: 18 ago. 2012.
 
BERGHE, Pierre L. Van Den. Raça – Como Sinônimo. In: CASHMORE, Ellis (Org.). Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Selo Negro, 2000. p. 453-456.

HEILBORN, Maria Luiza; ARAUJO, Leila; BARRETO, Andreia (Orgs.). Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça (GPP-GER). Módulo I - Políticas Públicas e Promoção da Igualdade. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011.

______. Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça (GPP-GER). Módulo III - Políticas Públicas e Raça. Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011.

MANDELLI, Mariana. Desempenho de cotistas fica acima da média. Estadão, São Paulo, 17 jul. 2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,desempenho-de-cotistas-fica-acima-da-media,582324,0.htm>. Acesso em: 12 ago. 2012
 
MUNANGA, Kabengele. Políticas de ação afirmativa em benefício da população negra no Brasil: um ponto de vista em defesa das cotas. Sociedade e Cultura. Goiânia. Vol. 4, n. 2, 2001. Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/download/515/464>. Acesso em: 07 jul. 2011.

______. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação – PENESB-RJ, 2003. Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org.br/downloads/09abordagem.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2011.

SANTOS, Débora. No STF, relator vota pela legalidade de cotas raciais em universidades. G1, Rio de Janeiro, 25 abr. 2012. Dispinível em: <http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2012/04/no-stf-relator-defende-legalidade-de-cotas-raciais-em-universidades.html>. Acesso em: 12 ago. 2012.

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