sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Vício

Depois de um longo hiato de publicações, gostaria de apresentar aos dinstintos leitores minha mais nova crônica. De uns tempos para cá, passei a ouvir muito as músicas de Nelson Gonçalves – que acredito ser um dos grandes nomes da música brasileira – e é em uma dessas músicas em que a história a seguir se baseia. Espero que gostem!


***

Sobre a cama do quarto de um motel de luxo da área nobre da cidade, um casal se entrelaça em um longo e apaixonado beijo. Quando seus lábios se separaram, o homem deitou-se com as costas apoiadas sobre a cama, enquanto a mulher acomodou-se de bruços, com a cabeça apoiada sobre o ombro do companheiro, enquanto os dedos de sua mão passeavam em meio aos pelos do tórax dele.

O recinto era iluminado pela chama de diversas velas que estavam espalhadas ao redor da cama e o rádio reproduzia um antigo disco de Nelson Gonçalves, que o homem escolheu. Do lado de fora, a primeira luz da aurora já se erguia, mas não conseguia ultrapassar as grossas cortinas do quarto.

A mulher aparenta ter vinte anos de idade. Seus cabelos curtos possuem o louro semelhante à luz do sol em uma tarde de verão, seus olhos azuis trazem toda a profundeza do mar e seus lábios, já sem nenhum resquício do batom que usava no início da noite, apresentam certo rubor natural. O homem, já de meia idade, possuía os cabelos grisalhos e, no fundo de seus olhos castanhos, era possível perceber um quê de tristeza, apesar do sorriso esboçado por seus lábios.

– A noite foi maravilhosa, querido! – Exclamou a mulher em um sussurro.

– Foi mesmo, meu amor! – O homem respondeu, contemplando-a. – Ultimamente, só tenho me sentido vivo quando estou em seus braços.

– Não diga uma coisa dessas, meu bem! Não um homem bem sucedido como você. – Respondeu ela, não sem antes sentir algo de orgulho em seu interior.

– É exatamente o sucesso que me tem tirado a paz. Estou cansado! Há décadas me dedico ao meu trabalho e nunca falhei com ele. Sou muito bem remunerado, sim, mas não consigo alcançar a felicidade com o que faço! – Ele retrucou, tornando-se carrancudo.

– Seu bobo! Conheço muitos homens que, além de receber o que você recebe, adorariam ter o nome estampado em todos os jornais, como o seu está. “Desembargador Pedro de Alcântara caça os corruptos do Tribunal de Justiça”, ou então, “Pedro de Alcântara: o novo paladino da moral e da ética no Judiciário Nacional”. – Ela disse, antes de dar um beijo na fronte de seu companheiro.

– Se eu pudesse, transferiria toda essa “honraria” a esses homens que você diz conhecer! – Pedro de Alcântara exclamou, virando o rosto para o lado contrário daquele em que estava sua parceira.

– Ora, se nem seu trabalho, nem o prestígio e o dinheiro que ele te garante conseguem te animar, pense na sua família. Você tem dois filhos saudáveis, educados e bem sucedidos também. E sua netinha é linda!

Ao ouvir menção à sua neta, Pedro permitiu que o sorriso voltasse a seus lábios. Então, ele delicadamente segurou sua companheira pelos ombros, deitou-a com as costas apoiadas sobre a cama, prostrou-se sobre ela e beijou-lhe novamente a boca. Este beijo foi mais abrasador do que o último, e também mais longo. Quando mais uma vez sua boca desvencilhou-se da de sua parceira, Pedro falou:

– Está vendo? Só você consegue me lembrar das coisas boas da vida! Verônica, vou refazer o pedido que tenho feito há meses, desde que viemos para esse quarto pela primeira vez: case-se comigo, meu amor!

Uma expressão de desconforto abateu-se sobre o rosto de Verônica, ao ouvir o pedido com o qual achava que tinha se acostumado. Ela afastou-se um pouco de Pedro, mantendo certa distância entre os dois na cama de casal.

– Querido, já conversamos sobre isso antes! Eu tenho a idade de sua filha mais nova, e para se casar comigo, você teria que se divorciar de sua esposa. Ela nunca aceitaria isso numa boa!

– Ora! Você não diz que eu sou o “superdesembargador Pedro de Alcântara”? Me separar dela não seria problema, mesmo que ela também tenha parentes no Judiciário.

– Pode até ser, mas eu não nasci para ser uma dona de casa, para ser submissa a um homem. Eu prezo muito pela minha independência!

Antes que Pedro pudesse lançar mão de outro argumento, um celular tocou na bolsa de Verônica, que estava apoiada sobre uma das cadeiras do quarto.

– É o alarme mais uma vez! – Exclamou Verônica, levantando-se da cama – Devo ir embora para descansar, pois tenho um cliente para atender às 18 horas.

Ao mesmo tempo em que estava triste pelas constantes recusas de Verônica, Pedro preferia tê-la como acompanhante a perdê-la. Enquanto ela se vestia, ele sentou-se sobre a cama para admirar a sua beleza. Verônica estava usando um vestido verde água que Pedro lhe dera de presente.

– Se quiser, eu posso te levar para casa. – Ofereceu-se Pedro.

– Não é necessário. – Disse Verônica enquanto retocava o batom, olhando-se em um dos vários espelhos dispostos no quarto. – Se você quiser, pode me ligar. Deixo qualquer cliente para ficar com você. – Voltou a falar antes de sair do quarto.

Verônica saiu fechando a porta atrás de si, sem ao menos olhar para trás. Pedro continuou sentado na cama por um tempo. Logo que a porta se fechou, encerrando o homem na solidão, era possível ouvir a seguinte estrofe da música que tocava no rádio:

“Boneca vadia, de manha e artifícios,
Eu quero para mim seu amor, só porque
Aceito seus erros, pecados e vícios
Pois, na minha vida, meu vício é você”.

2 comentários: