quarta-feira, 11 de julho de 2012

Algumas Palavras sobre o RPG

Alguns dos distintos leitores devem ter percebido que o conto Noites Carmins, que acabei de publicar nesse fim de semana, foi inspirado, dentre outras coisas, no jogo de RPG denominado Vampiro: A Máscara. Aqueles que não conseguiram "pegar" tal referência provavelmente desconhecem essa modalidade de entretenimento. Se você faz parte desse grupo, não se preocupe! Pretendo esclarecer sobre isso nesta postagem.

RPG é a sigla da expressão inglesa Role Playing Game, que em bom Português significa Jogo de Interpretação de Personagens. Na forma tradicional desse jogo, um grupo de pessoas senta-se em volta de uma mesa com fichas, nas quais estão discriminadas as características de seus personagens em mãos, além de dados de várias configurações. Uma dessas pessoas é o mestre, ou narrador. É ele quem vai conduzir o jogo, narrando uma história que elaborou previamente. Os demais interpretarão os personagens da história contada pelo mestre, tendo em vista o que está determinado nas fichas às quais me referi anteriormente. Tudo funciona como um teatro de improviso, no qual o narrador é uma mistura de roteirista e diretor, enquanto os jogadores são os atores. Vale ressaltar que os mestres também interpretam personagens, para complementar o contexto em que a história se passa. Nesse caso, tais personagens são denominados NPCs, sigla de Non Player Characters, ou Personagens Não Jogáveis, que seriam como os figurantes da trama.

Tudo que ocorre numa partida de RPG – chamada mais comumente de aventura ou crônica, dependendo do sistema jogado – é limitado pelas fichas de personagens, pela jogada de dados e, em última instância, pela decisão do mestre. Nunca os jogadores farão o que seus personagens fazem, sendo a mente o palco de todas as ações. Por exemplo: imaginemos uma aventura em que esteja ocorrendo uma perseguição policial. O personagem de um dos jogadores acabou de assaltar uma joalheria e está fugindo à pé de uma viatura repleta de policiais, que são NPCs controlados pelo narrador. O assaltante, que entrou em um beco, deparou-se com um muro alto, que obstruía a sua passagem. Para prosseguir com sua fuga, o personagem precisará escalar o muro, mas ele só conseguirá fazer isso se ocorrerem três coisas: 1) na ficha do personagem deve constar que ele tem a habilidade necessária para escalar muros; 2) o jogador que controla o personagem deve lançar os dados, cujo resultado dirá se seu personagem conseguirá ou não escalar; e 3) mesmo que o jogador não tenha obtido sucesso na sua rolagem de dados, o mestre pode achar que é mais interessante para a história que o assaltante fuja naquele momento, e pode permitir que isso ocorra. Nessa brincadeira, ninguém roubou uma joalheria de verdade, ninguém foi perseguido pela polícia e ninguém pulou um muro alto no final de um beco. Tudo foi imaginado pelo narrador e pelos demais jogadores.

Dados de RPG

Existem vários tipos de RPG que exploram as mais variadas temáticas. O primeiro deles foi o Dungeons and Dragons, ou Masmorras e Dragões – mais conhecido pela sigla D&D – inspirado em livros de fantasia medieval, principalmente no Senhor dos Anéis, de J.R.R Tolkien. Nele é possível ver Duendes, Elfos, Anões, Dragões e outras criaturas fantásticas, além de humanos poderosos, como magos, guerreiros, paladinos etc. O famoso desenho Caverna do Dragão tem como nome original Dungeons and Dragons, por ser inspirado no RPG homônimo. Outro sistema de RPG é o Storyteller, cujo título que mais se destaca é o Vampiro: A Máscara, que, por sua vez, é baseado nas histórias de vampiro escritas por Bram Stoker e Anne Rice. Como disse no início deste texto, o conto Noites Carmins foi inspirado em Vampiro: A Máscara. Ainda existe o GURPS, sigla de Generic Universal Role Playing System, ou Sistema Genérico e Universal para Jogos de Interpretação, e muitos outros sistemas sobre os quais não saberia falar.

Livros de Regras de D&DLivros de Regras de Vampiro: A Máscara

 Acontece que algumas pessoas – notadamente cristãs – condenam o RPG, rotulando-o como demoníaco e afirmando que tal jogo incentiva a prática de magia negra, o uso de drogas, o assassinato e outras formas de violência. Realmente, a magia negra, a violência e as drogas fazem parte do pano de fundo de diversos sistemas de RPG, principalmente daqueles sistemas mais voltados ao público adulto – sim, prezados leitores, não é porque o RPG é uma brincadeira que ele direciona-se exclusivamente às crianças. Porém, como vimos acima, se um personagem praticar magia negra, usar drogas ou matar, isso não significa que o jogador fará isso. Normalmente, quem manifesta o esse tipo de opinião não tem conhecimento nenhum do que seja o RPG, muito menos chegou a manusear alguns de seus livros de regras. O livro básico de Vampiro: A Máscara, por exemplo, trás logo no seu início a seguinte advertência:

"Vampiro: A Máscara é um jogo que requer imaginação, esforço, criatividade e, acima de tudo, maturidade. Parte dessa maturidade é perceber que Vampiro é somente um jogo, e que as situações descritas nas paginas a seguir são completamente imaginárias. Ao derrotar alguém jogando Banco Imobiliário, você não vai hipotecar a casa dele. Se você afunda alguém em Batalha Naval não vai começar a jogar bombas incendiaras nos navios. A mesma regra se aplica a qualquer jogador de RPG ou jogo de narrativa.

Em outras palavras você não é um vampiro. Quando o jogo acaba, deixe de lados os livros, dados e aproveite sua vida; e deixe as outras pessoas aproveitarem as delas.

Para 99,9% de vocês que são suficientemente conscientes para não precisar desse aviso, bom divertimento."

É lógico que existem pessoas desequilibradas mentalmente que fazem todos os tipos de loucuras e colocam a culpa no RPG, mas isso é o mesmo que dizer que o futebol é a causa das depredações e, inclusive, dos assassinatos provocados por torcidas organizadas antes, durante e depois de partidas de tal esporte.

Gostaria de encerrar apontando alguns dos benefícios trazidos pelo RPG. Primeiramente, ele ajuda a estimular a imaginação de seus jogadores, principalmente daqueles que se dispõem a narrar uma crônica ou aventura. Aos jogadores de RPG é mais fácil criar histórias e escrever suas ideias, o que pode lhes garantir vantagens em provas de redação e lançá-los quiçá à carreira literária. Eduardo Spohr, escritor nacional e autor dos livros A Batalha do Apocalipse e Filhos do Éden: Herdeiros de Atlântida, é jogador de RPG. Em segundo lugar, o jogo em questão pode ser utilizado para aproximar estudantes do conteúdo estudado em algumas disciplinas, como História. Nesse sentido, existe uma série de suplementos para Mini-GURPS – versão resumida do GURPS – que explora os contextos das Cruzadas, do Descobrimento do Brasil, das Entradas e Bandeiras e do Quilombo dos Palmares.

Suplemento Gurps Quilombo dos PalmaresSuplemento GURPS As Cruzadas

Eu mesmo, quando trabalhei no ano passado um projeto sobre a Consciência Negra, em turmas de 4 e 5 anos da Educação Infantil e do 1º ano do Ensino Fundamental, propus aos meus alunos um exercício baseado em RPG, no qual pedi que eles imaginassem que homens armados entravam nas salas de aula da escola, nos amarravam e nos levavam para trabalhar como escravos em um país longe daqui. Depois de perguntar como as crianças se sentiriam e o que elas fariam em tal situação, disse que foi isso o que aconteceu na África durante o período da Colonização Portuguesa, o que as deixou chocadas.

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