sábado, 7 de julho de 2012

Noites Carmins - Parte Final

Quando aquele que Morgan revelou ser Caim entrou na sala, os lacaios do vampiro que lutava pelo controle dos domínios de Belmonte fecharam um círculo em volta de seu mestre. A aura de ódio que envolvia o primeiro dos vampiros era quase visível por todos que estavam ali.

– Não sei qual é a sua intenção, Morgan, mas você foi longe demais! – Aquele que se apresentara como Matheus Weiss respondeu com fúria na voz. Em seguida, ele volveu o olhar para seu lado esquerdo, onde Sara jazia em sua cruz, e um traço de piedade resplandeceu em seus olhos acinzentados, antes de a ira voltar a ser o sentimento mais evidenciado.

– A garota ainda está viva – disse Morgan. – Em seu lugar, me preocuparia comigo mesmo! Alguns de seus filhos descobriram uma forma de ritual por meio do qual a força vital das criaturas da noite pode ser sugada junto com seu sangue. Quando ele é feito sobre vampiros mais poderosos, seus poderes também são absorvidos junto com a sua alma. É por isso que você está aqui. Depois de absorver sua essência, dominarei não somente esta Região Metropolitana, não apenas este país, mas o mundo inteiro! Vamos, homens, ataquem!

Após o comando de Morgan, três dos homens que o acompanhavam se lançaram sobre Caim, tentando travar com ele uma luta corporal. As unhas do primeiro das criaturas da noite cresceram e se projetaram como garras, que foram usadas contra aqueles que os atacaram. Os três caíram com suas gargantas abertas e a jorrar sangue.

– Atirem com as munições incendiárias! – Gritou Morgan, antes que quatro disparos fossem efetuados. Caim recuou alguns passos quando foi atingido, devido ao dano que o chumbo derretido contido nos projéteis causou em seu corpo, quando as cápsulas fragmentaram-se após o impacto.

Aproveitando o recuo do pai de todos os vampiros, mais três dos seguidores de Morgan arremeteram contra ele. Caim esquivou-se do atacante que chegou primeiro e derrubou-o com um pujante soco. O segundo atacante caiu desacordado após receber um chute na cabeça daquele que deveria ser seu alvo e o terceiro teve seu rosto dividido ao meio ao ser atingido pelas garras da mão esquerda de Caim.

Naquele momento, um trovão destacou-se sobre os gritos dos vampiros que lutavam no exterior da mansão de Morgan, e uma pesada chuva caiu do céu, para alívio dos membros de ambos os grupos que se enfrentavam. A água da chuva impediria o uso do fogo na batalha. Isso era bom para os dois exércitos, que sofreram baixas consideráveis até aquele momento. No instante em que a chuva começou a cair, a luta já era completamente travada no interior dos muros da propriedade de Morgan, dado o avanço de Belmonte e de seus seguidores.

No interior do casarão, os quatro vampiros que acompanhavam Morgan, e que ainda não foram derrubados por Caim, recuaram alguns passos quando este começou a avançar na direção daquele que ordenara o rapto de Sara. Apenas Sandro permaneceu em sua posição.

– Eu imaginava que meus homens não se constituiriam num grande desafio para você, mas eles serviram para me dar mais certeza sobre sua identidade – disse Morgan, após o que desembainhou e brandiu a espada que trazia nas mãos. – Há décadas procuro por você! Minha intenção era te encontrar adormecido, num dos seus longos períodos de torpor. Isso facilitaria a concretização de meus planos. Pelo menos, vasculhando numa catacumba da Europa Central, encontrei a espada que o próprio Deus forjou para você. Mesmo que você o tenha desagradado ao assassinar seu irmão, o Yahweh te amava, então ele te deu uma arma para que você pudesse se proteger de seus inimigos. O mais irônico é que a Espada de Caim veio parar nas mãos daquele que há de matá-lo!

– Você gosta muito do som da sua voz, Morgan. Se você não souber usar essa espada tão bem quanto usa a sua língua, seus olhos não verão a próxima noite! – Caim disse com uma voz ameaçadora, enquanto avançava mais alguns passos.

Sandro fez menção de se colocar na frente de Morgan, mas seu senhor o conteve com um movimento de braço.

– Não se preocupe, Sandro! Prometo que acabarei a tempo de enfrentar Belmonte pessoalmente.

Morgan arremeteu contra Caim, desferindo um golpe de espada, de cima para baixo. O primeiro vampiro esquivou-se para o lado direito, evitando o ataque. Em seguida, o Morgan tentou efetuar uma estocada no abdome de Caim, que recuou por um triz e deu um chute no peito de seu atacante, antes que este pudesse ensaiar outro golpe. Depois de receber o chute, Morgan recobrou o equilíbrio e atacou Caim novamente, com um golpe desferido da esquerda para a direita. Com essa ofensiva, ele atingiu o braço de Caim, rasgando sua blusa e a superfície de sua pele, fazendo com que sangue jorrasse dali.

– Será que o pai de todas as criaturas da noite está enferrujado, depois de tantos períodos de hibernação? – Ironizou o vampiro mais jovem.

Confiante após seu primeiro ataque bem sucedido, Morgan tentou outro golpe de cima para baixo, dessa vez com mais vigor. Ao invés de recuar, Caim avançou e, com um movimento ascendente de seu antebraço, atingiu o pulso de seu atacante, bloqueando a descida da espada. Imediatamente após sua defesa, Caim deu um soco no queixo de Morgan, que se desequilibrou e deixou com que a espada caísse no chão. Ensandecido, o vampiro megalomaníaco desferiu uma série de socos e chutes no primeiro de sua espécie. Caim não se preocupou em defender todos os ataques e, ao perceber que seu adversário estava cansado, partiu para o contra-ataque, chutando e socando no rosto, no tórax e no abdome de Morgan. Este, após uma sequência de golpes daquele que pretendia derrotar, caiu sobre o carpete da sala de estar, e não encontrou forças para levantar.

Ao ver seu senhor derrotado, Sandro empunhou a Espada de Caim com ambas as mãos e avançou contra o verdadeiro dono da arma que utilizava. Caim conseguiu conter o golpe, tomou a espada das mãos de Sandro e cravou-a em seu peito. Com isso, Sandro caiu morto, ao lado de Morgan. Os quatro vampiros que continuavam na sala saíram pela porta que Caim arrombou para ali entrar.

Depois da luta, o pai de todos os vampiros aproximou-se de Sara e carinhosamente tocou em seu rosto. A expressão que ele esboçou era de tristeza profunda, embora nenhuma lágrima brilhasse em seus olhos.

– Não era para isso ter acontecido com você... – Disse Caim, com a voz embargada.  – Será que, até o fim dos tempos, isso acontecerá com aqueles de quem eu me aproximar? – Questionou voltando os olhos para o céu.

– Você pode evitar a morte da garota. – Falou Morgan com voz fraca, ainda deitado no chão. – Transforme-a! Termine de sorver-lhe o líquido da vida e dê a ela uma gota de seu sangue. Isso fará dela sua filha direta, a mais poderosa das criaturas da noite, depois de você!

– É uma ilusão acreditar que ser um vampiro é um dom! – Respondeu Caim. – Essa foi a forma com que meu Pai Celeste me castigou, depois de eu ter assassinado meu irmão. Além disso, até hoje me arrependo de não ter resistido à solidão e ter gerado progênie. Não darei a Sara essa existência miserável. É melhor que ela encontre paz depois desta vida!

Após proferir as palavras anteriores, Caim soltou Sara das amarras que a prendiam na cruz em forma de X e tomou-a nos braços. Àquele tempo, a chuva tinha cessado e as nuvens tornaram-se menos densas, permitindo que a lua fosse vista pela grande janela da sala de estar da mansão de Morgan, vermelha como o sangue. Protegendo a garota com seus braços e seu corpo, Caim saltou na direção da janela, quebrando o vidro. Ao atingir o exterior da mansão, deu outro salto com o qual passou por cima dos muros da propriedade e correu velozmente ao alcançar a rua, até desaparecer na escuridão da noite.

Sem compreender o que estava acontecendo, Belmonte e seus seguidores que sobreviveram após dizimarem os homens de Morgan entraram no casarão pela janela que Caim quebrara. Na sala de estar, o líder dos vampiros da Região Metropolitana viu Morgan com uma espada pressionada contra seu corpo. Depois de fitar os olhos de Belmonte, Morgan sorriu e enterrou a espada em seu próprio peito. O corpo daquele que desejava se tornar o vampiro mais poderoso do mundo desfez-se em cinzas depois que a Espada de Caim tirou-lhe a vida.

***

Após a sangrenta e chuvosa noite que se passou, o sol brilhou quente e cheio de vida sobre a cidade de Saint Michel. Na praia, o mar estava calmo e o vendo tépido. Sobre a areia da praia, uma multidão estava reunida em torno de um corpo inerte. Uma jovem bonita, com os cabelos castanhos e encaracolados todos desgrenhados. Sua pele estava cheia de estranhas perfurações sobre todo o corpo e apresentava uma coloração doentiamente pálida, talvez devido à perda de grande quantidade de sangue. Suas roupas estavam rasgadas e suas mãos estavam cruzadas sobre seus seios. Entre seus dedos, ela segurava um botão de rosa vermelha.

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