sábado, 16 de junho de 2012

Noites Carmins - Parte II

O sol da manhã já banhava as cercanias com sua luz morna, quando os mais resistentes de seus raios atravessaram a cortina azul clara do quarto de Sara. Ela despertou e, depois de uma longa espreguiçada, levantou-se e foi se banhar. Depois do banho, a garota tomou café da manhã e começou cuidar de seus afazeres domésticos. O apartamento, que ficava no quinto andar do prédio, era pequeno, composto por uma sala, um quarto, um banheiro, uma cozinha e uma pequena varanda. A futura historiadora se pôs a refletir sobre a noite anterior, enquanto deixava suas coisas em ordem, lembrando-se do viajante que tinha conhecido. Ele pode ser estranho, mas até que é interessante, pensou.

Assim que terminou suas tarefas, Sara desceu até a rua para fazer compras. No caminho até o mercado, ela percebeu que os moradores de Saint Michel pareciam assustados. Pequenos grupos de pessoas conversavam em voz baixa pelas esquinas, com expressões sérias em suas faces e olhares vigilantes. Quando chegou ao mercado, a garota se dirigiu ao balconista e principiou com ele um diálogo.

Bom dia, moço! O que aconteceu para as pessoas ficarem tão esquisitas?

Você não ficou sabendo? – Perguntou o balconista. – Pescadores encontraram corpos de cinco mulheres no mar, assim que saíram para posicionar as redes! Todos estão apavorados com isso e têm medo de serem as próximas vítimas.

Que coisa terrível! – Exclamou Sara.

É mesmo! – Disse uma atendente, forçando sua entrada na conversa. – A polícia disse que elas foram jogadas no mar em dias diferentes. Algumas até já estavam apodrecendo!

E a polícia já conseguiu identificá-las? – Sara perguntou.

Ainda não – respondeu o balconista. – Mas desconfiam que sejam prostitutas, já que ninguém deu queixa de desaparecimento nas últimas semanas. O mais engraçado é que todas elas eram loiras!

Sara comprou algumas coisas ali e voltou para casa, olhando em volta de si a cada dez passos, preocupada com a possibilidade de algo ruim lhe acontecer. Ao chegar a seu prédio, subiu correndo as escadas e trancou-se no apartamento.

***

Caiu a noite novamente. O céu estava limpo e as estrelas brilhavam intensamente, cortejando a lua cheia em sua coloração rubra. Em seu apartamento, Sara ainda estava assustada com a notícia que recebeu no mercado durante a manhã.

Será que vou até a pracinha? – Perguntou a garota a si mesma, olhando para o espelho que ficava em seu quarto. – Bem, se o que o balconista falou for verdade, não preciso ter medo. Afinal, não sou loira, não é? – Continuou, forçando um sorriso.

Depois desse monólogo, Sara vestiu-se com um vestido verde, que combinava com a cor de seus olhos. Fez uma maquiagem básica, calçou um par de sandálias rasteiras, borrifou perfume sobre si e saiu em direção à praça central de Saint Michel. Chegando lá, percebeu que poucos populares arriscaram-se a sair de casa naquela noite. Até mesmo a missa que ocorria na Igreja Matriz estava esvaziada. Era melhor eu ter ficado em casa, pensou. A futura historiadora caminhou ao redor do local, mas não viu nenhum sinal de Matheus. Então, sentou-se cabisbaixa em um dos bancos da praça. Como fui fantasiar que Matheus se interessaria por mim? Aliás, como é que eu fui me interessar por um estranho? Refletiu a garota.

Depois de permanecer sentada no banco por alguns minutos, Sara resolveu voltar para casa, mas, antes de se levantar, ouviu uma voz que vinha de trás de si.

Desculpai-me pela demora! Como não conheço muito bem a cidade, acabei me perdendo no caminho...

Ao volver o olhar, Sara percebeu que era Matheus quem lhe falara. Então, ela levantou-se e sorriu para o viajante.

Não se preocupe! Não esperei por muito tempo.

Sara reparou que Matheus usava roupas semelhantes àquelas que envergava na noite anterior, um par de botas bem engraxadas, calças pretas, uma camisa branca que parecia ter saído do figurino de um filme de época, e um grosso sobretudo castanho, mesmo com o calor que fazia naquele momento.

Seu estilo é bem diferente! – Sara exclamou.

Na verdade, é assim que costumamos nos vestir em meu país. Eu também acho exótico o estilo de seus conterrâneos.

Bem, então não vamos discutir sobre isso! – Retrucou Sara. – O que você acha de comermos alguma coisa? Na rua da orla tem um ótimo restaurante de frutos do mar. Te garanto que você vai adorar!

Ficaria feliz em acompanhá-la!

Mais uma vez, Matheus se deixou ser guiado por Sara pela rua dos cafés e pela rua da orla. O restaurante funcionava num sobrado antigo, cujo segundo andar possuía uma grande janela de vidro que dava vista para o mar. A construção localizava-se numa esquina formada pela rua da orla e uma viela escura, paralela à rua dos cafés. Ao entrar no estabelecimento, o casal sentou-se junto a uma mesa próxima à janela do segundo andar. Logo em seguida, um garçom apareceu e deixou o menu com os dois.

O que você gostaria de comer? – Sara perguntou a Matheus.

Prefiro que você escolha o prato, pois não sei se meus gostos culinários te agradariam.

Tudo bem, então – disse Sara antes de dar uma boa olhada no menu. – Gosto muito do Boullaibaisse. É um ensopado de peixe e frutos do mar que os imigrantes franceses trouxeram da região do Mediterrâneo.

Já tive a oportunidade de provar esse prato. Vamos pedi-lo?

Sim. E para acompanhar, duas taças de Sauvignon Blanc, o que acha?

Perfeito! – Respondeu Matheus, antes de chamar o garçom novamente e fazer o pedido.

A comida e a bebida não demoraram muito para chegar. O casal foi servido pelo garçom e, em seguida, continuou a conversar.

Ontem, quando você me disse que já tinha viajado pelo mundo, fiquei com um pouco de inveja de você – Sara voltou a falar. – Aqui em Saint Michel tudo se remete à França, mas eu gostaria muito de conhecê-la pessoalmente!

Ora, eu vejo que você pode muito bem ir até lá futuramente. Você falou apaixonadamente sobre a História da cidade, que é o objeto de sua pesquisa, e há grandes universidades na França onde você conseguiria bolsas para estudar, assim que terminar sua graduação.

Sério? – Sara perguntou alegremente. – Isso seria um sonho!

Falo a verdade! Vejo que você tem um grande potencial. Aliás, fiquei muito admirado com sua coragem de já tentar alçar voos com suas próprias asas, mesmo aparentando ter pouca idade!

Ah não! Com tantos elogios, vou me tornar uma pessoa muito orgulhosa! – Sara falou entre uma gargalhada. – Brincadeiras a parte, o que mais incomoda na minha escolha é a solidão! Principalmente, é muito difícil ficar longe da minha família, já que moro sozinha aqui em Saint Michel. E você, tem família em algum lugar do mundo?

Sara percebeu que a expressão de Matheus endureceu-se depois que ele ouviu sua pergunta, mesmo assim, ele a respondeu:

Na verdade, sou o que vocês chamam de “lobo solitário”. Meu irmão mais novo faleceu quando eu ainda era jovem e, logo depois, afastei-me de minha família para viver minha própria vida. De lá pra cá, minha existência se resume a trabalhar duro por alguns períodos para, em seguida, encontrar um lugar onde eu possa me isolar de tudo e de todos.

Que triste! – disse Sara, impressionada. – E namorada, você tem alguma no momento? – a garota perguntou, com um leve rubor em sua face.

Mesmo que seu rosto tenha permanecido alvo, Matheus também pereceu encabulado com a pergunta. Ainda assim a respondeu:

Já tive algumas mulheres na minha vida, mas, atualmente, estou completamente sozinho...

Sara percebeu que Matheus mergulhou no silêncio após responder à sua última pergunta, então procurou mudar de assunto:

A comida está muito boa, não está? E o vinho está simplesmente divino!

É verdade! – Matheus respondeu, mesmo quase sem ter tocado na comida e tendo bebido pouco de sua taça. – Enquanto não prosseguir para a Capital, pretenderei voltar aqui mais vezes.

Depois que o casal terminou seu jantar, Matheus se pôs a olhar pela janela e a admirar a lua por alguns instantes, antes de observar a rua abaixo de si. Naquele exato momento, uma mulher caminhou solitária, logo abaixo da janela. Ela era bonita, trajava um vestido de festa e mantinha soltos seus cabelos loiros e atentos seus olhos azuis. Então, um homem apareceu e agarrou a transeunte, sumindo com ela em meio às sombras da viela que fazia esquina com a rua da orla. Ao ver tal cena, Matheus fechou os olhos e agitou a cabeça negativamente.

O que foi, Matheus?

Não houve nada! Apenas mais uma lembrança dolorosa... – Respondeu o viajante com uma expressão séria. – Está ficando tarde! – Exclamou depois de ter tirado um relógio do bolso de sua calça e de observá-lo.

É verdade! – Concordou Sara. – Além do mais, a cidade está ficando mais perigosa do que imaginávamos! Você ficou sabendo dos corpos de mulheres que foram retirados do mar nesta manhã?

Ouvi alguns comentários, mas não se preocupe. Acompanhar-te-ei até a sua casa novamente, caso você me permita.

Mas é claro! Vamos andando?

Matheus pediu a conta ao garçom e dirigiu-se até o caixa para pagá-la. Logo depois, saiu com Sara do restaurante. Quando chegaram à rua, uma brisa fria veio do mar e fez com que Sara cruzasse os braços. Matheus percebeu, retirou o sobretudo que vestia e entregou-o a Sara. A garota agradeceu e colocou a vestimenta sobre seus ombros.

Mais uma vez o casal percorreu o caminho da rua da orla até o prédio de Sara. Na frente do edifício, havia um canteiro de flores. Ao passar por ele, Matheus colheu um botão de rosa vermelha e entregou à futura historiadora. Sara pegou a flor, mas deixou-a cair, depois de exclamar um ai!

O que houve? – Perguntou Matheus, preocupado.

Acho que furei meus dedos com os espinhos da rosa – disse, mostrando suas mãos para Matheus.

O estrangeiro tomou as mãos de Sara nas suas e viu que havia gotas de sangue em seus dedos. A garota percebeu que uma expressão de desconforto abateu-se sobre o rosto de Matheus, quando ele viu o sangue, e retirou as suas mãos das dele.

Mil perdões! Não era minha intenção te ferir! – Exclamou Matheus. Ele agachou-se, recolheu o botão da rosa do chão, retirou seus espinhos cuidadosamente e entregou-o novamente a Sara.

Não se preocupe! Toda a rosa tem seu espinho – respondeu Sara, pegando a flor das mãos de Matheus. – Assim também é a vida! Já estou acostumada com isso, “mesmo aparentando ter pouca idade” – continuou a falar com um sorriso nos lábios, pesando a entonação da última frase.

Fez-se um breve instante de silêncio, no qual Sara e Matheus perderam-se em meio ao olhar que trocaram. A respiração da garota enlanguesceu-se e ela projetou o rosto para frente, na direção do de Matheus, mas recuou e disse, como que acordando de um transe:

É melhor eu subir!

Sara afastou-se, tirou o sobretudo de Matheus e devolveu-o a seu dono. Virou as costas e entrou apressadamente no prédio. O estrangeiro permaneceu ali por algum tempo, olhando para o edifício onde a garota morava. Depois, virou as costas e dirigiu-se ao prédio da antiga peixaria, onde tinha entrado na noite anterior, voltando a subir a marquise com um salto e a atravessar a abertura da janela localizada no segundo andar, que estava cerrada com tábuas de madeira.

3 comentários:

  1. Wooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Tá ficando bom! Um vampiro serial???? Vamos conversar pessoalmente sobre o texto depois! Trocar figurinhas! Abraços!!!!!!!!!

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    1. Podemos até conversar, mas não vou te dar spoiller, como estou fazendo com As Crônicas de Gelo e Fogo! :P

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    2. Olhe só que filho da mãe! Tá passando a perna na concorrência. Sabia que estas eram suas intenções reais com aqueles spoilers UAHUAUHA

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