sábado, 23 de junho de 2012

Noites Carmins - Parte III

A noite já ia alta quando o homem de cavanhaque que cruzou o caminho de Matheus e Sara, na noite em que o casal se conheceu, adentrou na sala de estar de seu casarão. Ali, sentada no sofá, com o olhar apavorado, jazia inerte uma jovem loira. A moça trajava um vestido de festa vermelho, que acentuava a alvidez de sua pele. Seus lábios, rubros de batom, se contorciam a cada passo que o homem desconhecido dava em sua direção, mas não conseguiam emitir o grito que permanecia entalado em sua garganta. O homem se aproximou da garota, que pareceu esforçar-se para levantar, mas sem sucesso.

Não adianta tentar fugir, minha querida! Criaturas como eu são irresistíveis. Além disso, acredite, o que eu te ofereço é a solução de todos os seus problemas: a morte! – Falou o algoz, com um sorriso aberto que permitia à moça capturada ver que seus caninos superiores projetavam-se como presas.

O homem de cavanhaque agarrou a moça pelos braços e ergueu-a do sofá. O sentimento transmitido pelos olhos azuis da garota passou do medo à dor, quando seu pescoço foi penetrado pelas presas que ele revelara. Seus seios fartos se agitavam com a respiração ofegante, e quase abandonaram o vestido pelo decote. Poucos minutos depois, a respiração da loira ficou cada vez mais lenta, até desaparecer por completo. Exangue, ela foi colocada novamente sobre o sofá. Outra mulher entrou na sala de estar, retirou o corpo da garota e saiu carregando o cadáver pela mesma porta em que entrou outro homem.

Senhor Morgan, os reforços do Centro já chegaram. São dez vampiros e vinte serviçais, todos armados. Há destacamentos apostos em todas as cidades da Região Metropolitana, aguardando o comando para atacar as bases de Belmonte.

Perfeito! Sandro já chegou?

Sim, senhor.

Então, mande-o entrar.

O homem saiu antes que Sandro entrasse na sala de estar, e fechou a porta pelo lado de fora.

***

Belmonte era o vampiro mais influente da Região Metropolitana da qual Saint Michel faz parte, e exercia o comando sobre os seus pares, apresentando bases em todas as cidades da região. Morgan, que era seu concorrente direto, aliou-se com alguns dos Grandes das cidades vizinhas para, em um ataque simultâneo, destruir Belmonte e dividir seu pequeno império, um dos mais importantes do País.

Eram comuns essas contendas entre os vampiros, que construíram uma sociedade à “sombra” do mundo dos seres humanos. Traição e Morte eram comuns nesse espectro do mundo real. Certamente muitas chacinas ou pequenas guerras inexplicáveis foram – e são – provocadas direta ou indiretamente pelos caprichos dessas criaturas da noite.

Serviçais ainda são seres humanos que adquirem algumas vantagens ao ingerirem sangue vampírico: força e velocidade ampliadas, sentidos mais aguçados. O pagamento por isso é a mística lealdade e subserviência àqueles que lhes doam o néctar da vida. Eles são muito utilizados por poderem andar debaixo do sol. Sandro, o motorista de Morgan, era um serviçal.

***

Do lado de fora do casarão de Morgan estavam concentrados os vampiros e serviçais, quarenta indivíduos, ao todo. Com uma ordem de seu contratante, todos entraram em carros negros com vidro fumê, oito veículos no total. O primeiro carro a sair era um furgão semelhante àqueles utilizados por funerárias. Ele era dirigido por Sandro e transportava ocultos Morgan, que levava consigo uma espada de aparência antiga, com rubis cravejados em seu cabo negro e bainha feita em ouro, e cinco de seus subordinados. Os outros veículos seguiram logo depois. O cortejo passou quase que despercebido pelos poucos populares que ainda estavam na rua, apesar do adiantar da hora e do medo que se abateu pela cidade depois de as cinco mulheres mortas terem sido encontradas no mar. Aqueles que repararam a carreata, intimamente desejavam os pêsames àqueles que perderam seu ente querido.

Após alguns quilômetros de estrada, Morgan e seu pequeno exército chegaram próximos a outro casarão isolado, situado quase nos limites da cidade, só que na direção oposta ao local onde situava-se a mansão do vampiro de cavanhaque. Aquela era a base e o refúgio do imediato de Belmonte em Saint Michel. O casarão possuía dois andares, e mantinha suas luzes internas acesas. Um muro alto e com cerca elétrica separava o jardim do restante da rua. Nenhum guarda estava à frente do portão principal, mas vários se encontravam posicionados no interior dos muros, conversando ente si vez ou outra.

Os carros que transportavam Morgan e seu regimento abruptamente cercaram a propriedade por todas as direções. Antes que os seguranças pudessem esboçar alguma reação, homens desceram dos carros e jogaram bombas incendiárias por sobre os muros.

Grunhidos e gritos de alerta foram ouvidos em meio ao cheiro de tecido e carne sendo queimados. Os portões, tanto principal quando o dos fundos, foram arrombados e os invasores entraram atirando. Mais guardas apareceram tentando evitar o ataque. Debalde. Houve troca de tiros e luta corporal. Os partidários de Morgan, que não haviam se “alimentado” o suficiente nas noites anteriores, sugaram ali mesmo o sangue dos defensores identificavelmente humanos. Para alguns vampiros, o medo dá um sabor especial ao sangue.

O único acesso ao interior casarão, a porta dupla que ficava alguns metros a frente do portão principal, foi arrombado. Os atacantes adentraram. Houve mais tiros, gritos e mortes. A escadaria que dava acesso ao segundo andar terminava em um mezanino. Mais defensores apareceram no mezanino com metralhadoras em punho e atiraram para baixo. Morgan atirou nos lustres que iluminavam o recinto, deixando-o em completa escuridão. Alguns dos atacantes subiram até o mezanino, utilizando-se das escadas ou saltando do primeiro andar, e os defensores que ali estavam foram abatidos, com seu sangue banhando o chão de mármore branco do casarão.

Morgan subiu as escadas que levavam ao segundo andar, seguido de seus homens, dessa vez sem resistência. Não é possível que o imediato de Belmonte tenha uma guarda tão pequena! Mesmo para um ataque surpresa foi fácil de mais, pensou o invasor.

No segundo andar, havia uma porta que dava para um corredor não muito estreito. Dentro do corredor, havia três portas do lado direito, duas do esquerdo e uma em seu final. As portas laterais foram violadas primeiro, mas não havia ninguém nos cômodos que elas encerravam. A da frente foi abaixo com um chute de Morgan. Tiros atravessaram a abertura na direção de Morgan, que destramente se esquivou e os devolveu, derrubando os últimos defensores. Dentro do quarto havia três corpos caídos e Willian, imediato de Belmonte, que tentava esconder o medo e a raiva do rosto alvo.

Morgan! Então vejo que eram verdadeiros os rumores de que você tentaria tomar o poder... – Disse Willian, paralisado com a iminência de sua Morte Final.

Sem responder uma palavra, olhando para o seu alvo indefeso, Morgan sacou a espada que carregava.

Prove da Espada de Caim! – Exclamou Morgan, ao desferir um único e preciso golpe. A cabeça de Willian atingiu o chão, depois se desfez em cinzas junto com seu corpo, antes que este pudesse cair por completo.

Segundos depois, Sandro, com um telefone celular na mão, entrou esbaforido no quarto em que Willian fora assassinado.

Senhor... Todos os ataques já ocorreram... Mas nem todos foram bem sucedidos...

Como? – Perguntou Morgan mais surpreso que irado.

Belmonte conseguiu conter o ataque à sua própria base, na Capital... E... Dizem que ele vem com um pequeno exército pra cá...

Após refletir por alguns instantes Morgan questionou:

Quantas baixas nós tivemos?

Nada de mais, senhor! Apenas alguns serviçais e três ou quatro vampiros facilmente substituíveis.

Ótimo! Ainda tenho uma carta na manga. Todos para nossa base! Assumir posição de defesa! – Gritou. – Sandro, quero que capture Sara e faça com que seja possível saber onde ela está. Seja criativo. Incendeiem o casarão e vamos embora!

Sandro fez uma mesura e se retirou da presença de Morgan. O regimento entrou nos carros e bateu em retirada, deixando o casarão em chamas atrás de si.


Nota de Esclarecimento


No dia 2 de junho iniciei neste blog a publicação de um conto sobre vampiros que, como escrevi à época, havia começado a compor há aproximadamente 10 anos. A primeira vez que publiquei essa história, que denominei Lua Escarlate, foi no dia 26 de novembro de 2005, num blog que tinha criado naquele ano, mas que acabou abandonado e excluído.

Quando percebi, nas estatísticas do Blogger, que alguns dos acessos ao Pitacos de um Sociólogo tinham sido originários de pesquisas feitas no Google, digitei no referido buscador o título do conto em questão, na tentativa de ver se a pesquisa realmente direcionaria o acesso a este blog. Deste modo, para a minha surpresa, descobri que uma autora brasileira havia lançado, no ano de 2009, o primeiro de uma série de livros sobre vampiros, também chamada Lua Escarlate! Seja isso uma coincidência, ou não, tal autora detém o registro desse título. Portanto, para evitar confusões e problemas futuros, optei por mudar o título de meu conto para Noites Carmins.

Um comentário:

  1. Opa, voltei a ler agora pois fiz uma pequena pausa no trabalho que estou fazendo.
    Cara, tive que procurar o significado de três palavras! (estou me sentindo um ignorante) rsrsrs.
    E vamu que vamu para a parte 3!

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